Empresários e especialistas reconhecem burocracia e até insegurança jurídica, mas rota para o crescimento passa por harmonização entre empresas e empregados
Quais
os problemas que travam o processo do crescimento industrial no Brasil?
Empresários e estudiosos nem sequer conseguem elencar — tantos são os
que afetam, de alguma forma, o desempenho. Os principais, reconhecem
eles, envolvem o alto custo para geração do trabalho formal, a
insegurança jurídica e a burocracia que, segundo estudo da Confederação
Nacional da Indústria (CNI), prejudica nove em cada dez empresas do
setor. O diagnóstico das causas desse entrave para o desenvolvimento
econômico do Brasil é complexo, mas boa parte de sua solução está em
medidas para harmonizar o relacionamento entre empresa e empregado.
“Precisa haver um sistema de trabalho mais flexível e valorizar os
processos de negociação”, aponta o gerente-executivo de relações de
trabalho da CNI, Emerson Casali.
Segundo
ele, é fundamental racionalizar os custos para ter ganho de
produtividade e, ao mesmo tempo, condições de trabalho apropriadas. “Não
se trata de produtividade a todo custo, mas também não pode ser com o
protecionismo exagerado ao trabalhador”, reflete. Em média, Casalio
acredita que a indústria tem vivido um momento de crescimento, ainda que
ancorado em um mar de processos burocráticos. “Alguns setores estão
sofrendo mais do que outros. De fato, quem menos cresce é quem depende
mais intensamente de mão de obra, o que nos leva à necessidade de se
discutirem as relações trabalhistas”, reconhece.
O
mestre em direito do trabalho Antônio Carlos Aguiar concorda que para a
indústria continuar crescendo são necessárias mudanças concretas. “Além
do aspecto cultural, o que se torna primordial para o crescimento da
indústria é uma desoneração da folha de pagamento. Passos importantes
foram dados. Mais especificamente, no sentido de alargar os
beneficiários desta medida. Quem mais emprega, mais prejuízo tem. Essa
pirâmide de contribuição deve ser invertida.”
Evolução tímida
Apesar
de uma Legislacão Trabalhista antiga, as relações de trabalho têm
evoluido no Brasil, mediante os acordos sindicais, que são conhecidos
com a mesma força jurídica de uma lei, por meio da Constituição Federal,
e trazem mais flexibilidade para as condições de trabalho, segundo
Antônio Carlos Aguiar. Para ele, o trabalhador está mais bem informado
sobre os direitos e as novas condições de trabalho, o que se torna um
aliado no favorecimento industrial. “O estabelecimento dessas medidas
ajudam na preservação do emprego, na sustentabilidade das empresas e,
principalmente, trazem à modernidade novas regras de contratação, que
antes estavam presas a uma Legislação Trabalhista antiga e travada”,
destaca.
As
leis sociais, incluindo as leis trabalhistas, chegam a 183%, segundo
recente estudo divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). “Para cada
real que pago ao trabalhador, gasto R$ 1,83 em diversas taxas e
tributos, recursos que não chegam na ponta do trabalhador. Isso é
irracional”, diz Paulo Safady Simão, presidente da Câmara Brasileira da
Indústria da Construção (CBIC).
Para
Simão, a consequência desse cenário é o estímulo à informalidade. “É um
problema sério no Brasil. Quando consegue formalizar, a coisa aperta
para o lado do empresário, e a primeira coisa que ele sonega quando vem o
aperto é o PIS e o Cofins. Aí fica um passivo enorme para frente,
porque o cara não vai deixar de pagar salário nem deixar de comer para
pagar essas coisas. Vai deixando, vai deixando, e aquilo vira uma
montanha. Será que não seria melhor colocar
R$ 1,50 na mão do trabalhador e pagar só R$ 0,50 de leis sociais?”, argumenta.
O
desafio brasileiro para promover o crescimento industrial é aproveitar o
momento de bônus demográfico na força de trabalho. Neste momento, o
potencial produtivo do país é alto, com uma população economicamente
ativa grande. ”Temos que aproveitar esse período, que não volta mais,
para estimular, treinar, capacitar e melhorar o capital humano no
Brasil, porque você vai ter problema lá na frente. Mas a legislação
precisa também incentivar isso”, pondera Paulo Safady Simão.
O exemplo alemão
O
cenário da Alemanha do final dos anos 1990 e começo dos 2000 era de
crise: alto índice de desemprego e crescimento desacelerado. A solução
adotada pelo país foi uma reforma trabalhista, iniciada em 2003, quando
precisou haver uma mudança de hábito tanto da parte dos empresários,
como do governo e dos trabalhadores. “A Alemanha criou no setor de
serviços muitos empregos flexíveis, com meia jornada”, exemplifica o
sociólogo Werner Eichhorst, diretor do Instituto de Estudos do Trabalho
(IZA), em Bonn, na Alemanha.
A
professora Jenny Hunt, especialista em economia laboral da Rutgers
University, acredita que é um mistério como a Alemanha conseguiu
atravessar com sucesso seu período de recessão no mercado de trabalho.
“Parte da explicação é que, no boom que precedeu a crise, as empresas
contrataram menos do que o esperado, porque faltava confiança. E quando a
recessão veio, eles tiveram menos necessidade de demitir”, diz.
O
professor de economia laboral Klaus F. Zimmermann, também do IZA,
detalha que a reforma do mercado de trabalho incentivou a criação de
emprego no momento em que houve uma avaliação das políticas trabalhistas
e o país empreendeu esforço maciço para gerar aumento de
competitividade nas companhias.
“Há
um tempo os sindicatos têm perdido força, particularmente na Alemanha
Ocidental e no setor industrial. Mas houve um forte compromisso das
empresas em buscarem soluções pragmáticas”, relata. “A extensão do
trabalho a curto prazo (com contratos mais flexíveis), a adoção de um
sistema de banco de horas sério e o comportamento de parceiros sociais
fizeram o resto para criar o modelo alemão de mercado de trabalho”,
completa.
Segundo
Zimmermann, o crescimento industrial germânico na segunda metade da
primeira década do século 21 dependeu do aumento da eficiência laboral e
do investimento no sistema educacional. “O crescimento econômico de um
país depende de um forte combate ao desemprego dos jovens, com
treinamento vocacional e constante avaliação da efetividade das
políticas públicas”, conta.
Imagem do Brasil é ruim
De
acordo com o economista sênior do BES Investimentos Flavio Serrano, o
prejuízo à imagem do Brasil com o relatório é pequeno pois os obstáculos
não chegam a ser novidade no mercado. “Essa má colocação é reflexo de
vários problemas que afugentam o investidor estrangeiro”, afirma. Entre
os Brics, apesar de estar à frente de Índia e Rússia, dois tradicionais
rivais quando o assunto é atrair investidores, o Brasil perde feio para a
África do Sul (35º lugar) e para a China (91º). Serrano cita o sistema
judiciário, que é muito lento; a legislação, que é cheia de brechas e
não protege o investidor integralmente; o sistema tributário complexo; e
a falta de infraestrutura adequada como exemplos de deficiências que
precisam ser corrigidas.
Procurado
pelo Estado de Minas, o Banco Mundial informou que, por estar na fase
de conclusão da edição do Doing Business de 2012, não poderia comentar o
assunto, mas esclareceu que “as portas do órgão estão abertas para
receber as sugestões propostas pela Brasil Investimentos e Negócios
(Brain)”.
Na
avaliação de Antonio Carlos Borges, economista da Brian, a baixa
competitividade do Brasil decorre da falta de medidas governamentais
mais contundentes e de efeito duradouro. “Precisamos fazer a lição de
casa. A baixa produtividade da indústria é reflexo de vários fatores,
como a elevadíssima carga tributária e a indexação de grandes áreas da
economia, a exemplo dos aluguéis e das tarifas de energia elétrica. Isso
só encarece os custos de produção e gera inflação, comprometendo os
preços do futuros”, afirma.
Ele
critica ainda as medidas de desonerações pontuais que vem sendo
adotadas pelo Ministério da Fazenda. 'A cada instante, o governo reduz
imposto em uma área. Se essa redução melhora a performance e mantém o
nível de atividade, revela que, na verdade, a carga tributária é
altíssima. Logo, o governo precisa fazer a sua parte. Estamos em débito
com a competitividade', completa.
Fonte: Estado de Minas
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